Essas janelas da alma, por onde, delicadamente, me mostravas o mundo com cores suaves e aromas frutados, cerraram-se para sempre, à minha frente, sem que eu pudesse fazer o que quer que fosse. Dois anos passaram e, por mais que tente, não consigo apagar essas imagens da minha memória. Revejo-as em pensamento ou pesadelo e, dia após dia, sinto maior revolta.
Sei que a morte é uma coisa natural. Que há doenças que não perdoam, como a tua. Que o ser humano não tem um prazo de validade, nem certificado de garantia. Sei ainda que a morte é a única certeza da vida. Sei tanta coisa! No entanto, todas elas são insuficientes para me ajudarem a entender esta perda, este vazio, esta dor, esta saudade, esta revolta.
Levamos anos a aprender que somos livres, que devemos fazer os nossos projectos de vida, construir o nosso futuro, pensar no amanhã. Mas que liberdade temos nós? Que amanhã teremos? Chegará a haver amanhã?
Para traçar um projecto, temos de estar na posse de vários dados, entre os quais o factor prazo/tempo. Se não podemos contar com esse factor, se em nada depende de nós, como poderemos, então, construir os nossos projectos de vida?
O teu/ nosso projecto de vida ficou a meio. Não terá a mesma continuidade. Mudaram os intervenientes, os objectivos, os recursos. Tudo mudou.
Disseste-me, antes de partires, no meio do teu delírio, que o lugar era bom, que era bom para as vindimas. Restam-me apenas essas palavras como paliativo da minha tristeza. Espero que, realmente, o lugar onde estás seja bom.
A mim, resta-me sentir-te em cada gesto, em cada palavra, em cada pensamento, em cada traço dos filhos que me deste. Sinto que te amarei sempre, mesmo que a morte nos tenha separado tão cedo e tão contra as nossas vontades.