terça-feira, 18 de agosto de 2015


Num momento de pausa, apetece-me escrever sobre "gente que imagina coisas". Não sobre aquelas pessoas que, de quando em vez, imaginam algo (onde me incluo, sem sombra de dúvida), mas sobre aqueles que passam a vida a ver a "realidade" pelos seus olhos especiais e dramáticos.
Tal maneira de ser não teria a mínima importância se se tratasse de artistas, escritores, músicos ou qualquer outro criativo. Mas, como imaginam, aqueles que me fazem escrever estas linhas para descansar um pouco são os que sentem sempre o fado a persegui-los. Há-os de todos os estilos: os que julgam que a vida os trai; os que acham que têm mil e uma doenças; os que se imaginam inferiores; os que se pensam superiores; os que se veem feios; os que se acham magníficos; os que veem sempre tudo negro; os que se atiram porque nunca veem obstáculos; os que se acham os mais infelizes do mundo; os coitadinhos; os que acham que a vida os persegue; os que pensam que todos os outros os perseguem.
Muitos outros existirão, mas a listagem já cumpre os objetivos.
Em toda a minha vida, já fiz imensas ações de formação, mas nunca esquecerei uma que fiz com um psicólogo, exatamente sobre esta questão de acharmos que os outros se estão a rir de nós, estão a conspirar contra nós, que a vida é madrasta ou que há "bruxas" a infernizar-nos o dia a dia.
Dessa ação de formação e dos ensinamentos que a vida já me deu, acho que posso concluir que, na maioria das vezes, os outros têm tanta coisa nas suas cabeças que nem sequer pensam em nós, nem nos veem. 
Perder o nosso tempo com histórias ao estilo de Hitchcock só nos faz perder tempo, paciência e sorrisos. A melhor maneira de levar a vida em frente é percebermos que a pessoa mais importante nas nossas vidas somos nós mesmos. Os "outros" são de várias categorias e, na sua maioria,
não deixam de ser apenas "os outros". Por isso, a intervenção deles nas nossas vidas deve ser sempre permitida com peso, conta e medida.
     Vivemos numa sociedade onde a alegria é cada vez menos. Essa falta de alegria começa, à partida, em nós.  

    Decidimos então sair para beber um café e aliviar tensões tecidas pela rotina brutal da vida. Atravessamos jardins cheios de idosos, que, logo de manhã, saem das suas tocas. Alguns vêm sozinhos e juntam-se sistematicamente no mesmo banco, à sombra de grandes árvores. Outros vêm em bandos, numa saída programada pelos lares que os acolhem, adornados com as seus melhores roupagens, para camuflarem um pouco a sua infelicidade.

       No resto dos jardins, vemos outros grupos, não de idosos, mas de jovens com a desilusão traçada nos seus semblantes e a indolência visível nos seus gestos. Alguns são eternos desempregados, com demasiados ou poucos estudos, que tudo serve para impedir o acesso ao pouco trabalho mal pago que vai aparecendo. Outros fingem que trabalham ou que cumprem integralmente programas de reinserção a troco de um subsídio que vão gastando em tabaco e cervejas no café da esquina. Outros, ainda, arrastam atrás de si duas ou três crianças, possivelmente sem futuro, mas que, de momento, são a sua única fonte de rendimento. Há ainda os que se perdem em longas conversas de telemóvel, de saco vazio ao lado, enquanto esperam a hora a que as instituições de solidariedade lhes disponibilizam os almoços ou os jantares que umas vezes comem e outras talvez não.

        Não tão visíveis, mas frequentemente presentes, vagueiam por entre os canteiros de flores, junto aos bancos ocupados, mulheres de meia idade, em cima de umas más sandálias de salto alto e dentro de uma saia dois números abaixo dos seus. Com os seus gestos e sorrisos lânguidos e nojentos, tentam sacar aos velhos babosos algumas moedas que lhes possam alimentar os vícios ou a preguiça.

     Pelas ruas, cruzamo-nos com grupinhos não menos tristes, ou almas sós e silenciosas, talvez macerando as suas desilusões. Há outros que agitam os corpos e as bocas desdentadas em risos tão descontrolados quanto as suas próprias faculdades.

    Talvez nada disto seja real e a idade me tenha tornado numa mulher ainda mais amarga e intolerante e com visão deturpada das coisas. Gostava que assim fosse e que apenas eu visse assim a minha terra, o meu país, as minhas gentes. Gostava que apenas eu olhasse o futuro como algo muito nublado, onde mais vendavais e tormentas nos esperam. Oxalá assim fosse. Mas, ou muito me engano, ou será ainda pior daqui a dez /quinze anos, quando a sociedade que agora polvilha as nossas cidades tiver maduros os seus frutos que foram gerados nestas condições adversas e em resultado de atos impensados ou inconscientes.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Tento amordaçar as palavras inquietas,
As revoltas e as mágoas bem secretas,
Que teimam em dançar no pensamento,
Na ânsia louca de me causar tormento
E, talvez, levar ao desespero.

Eu, que somo dias sempre iguais,
Que, por vezes, queria de mim mais,
Fico, assim, ausente na penumbra,
Onde nem um brilhozinho se vislumbra.

Não quero do mundo compaixão ou piedade,
Nem imploro aos céus a eternidade,
Mas, se a razão me conduz o pensamento,
Hei de saber o porquê do sofrimento,
Da dor, da mágoa, da tristeza e crueldade
Que em mim tudo destroem sem piedade.

Peço demais da vida? Não o creio…
Nem vejo ousadia ou devaneio
Em querer paz, carinho, amor ou amizade

Em vez de duros caminhos de amargura e ansiedade.