segunda-feira, 19 de junho de 2017

Quase oito da manhã. Domingo, dia de sol,
Com luz demais para os meus olhos cansados…
Em passo lento, em busca dum café forte
Que me alimente as forças que não tenho,
Atravesso o jardim, morada quase eterna,
De uns velhos que ali estão plantados,
De manhã à noite.
Torneio os seus lugares cativos,
Para evitar os seus olhares e a má-língua.
Comigo se cruzam várias personagens:
Os que correm, os que fogem,
Os que me evitam, cabisbaixos,
Os que têm tatuados nos rostos
E cristalizados nos olhos,
Os demónios em fogo de uma noite de álcool.
Sentada, beberico o meu café,
Mas não consigo ficar indiferente:
Sempre as mesmas personagens,
Os mesmos vícios a gastar,
As mesmas barrigas a render,
A mesma degradação humana.
Pergunto-me: isto é só crise?
Não o creio. É um modo de vida.
É falta de vontade de mudar.
É seguir o caminho mais fácil,
Mesmo à conta de outros que se esforçam.
Acabo o meu café e regresso.
Vejo a minha gata na cestinha
E invejo-lhe a irracionalidade.
Quanto a mim, invariavelmente,
Voltarei a tomar outros cafés,
A ver as mesmas flores, a mesma gente…
Para fugir a uma sesta
Neste dia de calor
Vou aqui apresentar-me
Com pompa e todo o rigor.
Sou perfeita a cozinhar
Excelente dona de casa,
A mais fina costureira,
A minha beleza arrasa.
Sou uma famosa artista,
Nos mais diversos sectores,
Faço escultura e desenho,
Pintura em todas as cores.
Sei ballet, toco piano,
Fiz teatro, falo francês,
Já viajei pelo mundo,
Hei de fazê-lo outra vez.
Vivo num belo palácio,
Tenho herdades e iates,
Na garagem, só Ferrari’s
Pedras de vários quilates.
Só compro alta costura,
Malas, só Louis Vuitton,
Sapatos só de encomenda,
O mesmo com o baton.
Dinheiro nem sei a conta,
Brasões em todos os cantos,
Na família só há duques,
Reis, barões e até santos.
Não falo a toda a gente,
Pois gentinha não existe,
Estou sempre muito feliz,
Nem sequer sei o que é triste.
Muito mais há a dizer,
Mas não gosto de me expor,
Gente ilustre como eu
Não fala do seu valor.